Um dos fatores que mais impactam na vida de uma pessoa com distúrbio de movimento são as alterações posturais. Devo lembrar, porém, que nem todas as discinesias causam mudanças físicas visíveis, mas debater sobre este tema é extremamente importante devido aos impactos físicos e psicológicos que podem ocorrer em quem tem uma discinesia que afeta a postura do corpo.
Primeiramente, saibamos que as alterações posturais são um dos sintomas mais aparentes e que, inclusive, podem levantar as primeiras suspeitas de uma alteração nos movimentos ou na musculatura de uma pessoa. No meu caso, por exemplo, meus pais começaram as consultas médicas quando perceberam que, com seis meses de vida, eu não conseguia manter a cabeça sustentada por conta própria, como era esperado no desenvolvimento motor de crianças desta idade.
Mas, antes de continuar este texto, reforço que as alterações posturais podem ter como causas outros fatores além de uma discinesia. Portanto, nunca se autodiagnostique ou se automedique! Consulte sempre especialistas médicos na área para se obter um diagnóstico e as melhores recomendações para o seu caso.
Agora, se você tem um distúrbio de movimento que provoca alterações de postura, provavelmente já percebeu como isto afeta seu humor e sua disposição diária, não é mesmo? Eu tenho Distonia generalizada, e as alterações mais visíveis que ela me causa são torções no pescoço, na coluna e nos braços. Além disso, estes sintomas se alternam: em um determinado dia, meu pescoço se encontra tombado mais para o lado direito, noutro dia, para o esquerdo, com variados graus de intensidade das contrações, que acabam se refletindo também em todo o corpo.
Desde pequena, percebo que, dependendo do jeito que se encontrava a minha postura no momento, eu ficava mais ou menos disposta a fazer algumas atividades, seja porque eu sentia menos dor no corpo ou fazia mais movimentos sem muitas dificuldades. Eu construía até uma tabelinha mental para tentar prever em quais dias eu estaria com uma determinada postura e uma melhor disposição que facilitasse alguma atividade que eu queria fazer.
Recentemente perguntei ao meu neurologista, Dr. Caio César Benetti Filho, de Botucatu/SP, o porquê deste impacto da postura corporal no humor diário, e ele me disse que um desvio de postura, sobretudo na região cervical, pode acarretar em alterações na circulação sanguínea e na oxigenação do corpo e cérebro, provocando mal estar, tonturas e outros sintomas que podem contribuir diretamente na disposição diária do paciente.
Resposta semelhante deu também o Dr. Flávio Sekeff Sallem, neurologista dono do Blog Neuroinformação e parceiro do Dyskinesis. “Desvios de postura em pacientes com discinesias podem causar dor em vários locais do corpo, perda de equilíbrio, dificuldades nas atividades da vida diária com risco de dependência para essas atividades, medo de cair, insegurança e, consequentemente, graves consequências ao bem estar e ao humor dos pacientes”.
Sem dúvida nenhuma, as alterações posturais podem interferir diretamente no nosso humor e na disposição diária. Sintomas adjacentes como dores, tonturas e possíveis atrofias musculares, entre outros, devem ser tratados com o objetivo de se melhorar a qualidade de vida da pessoa com discinesia. Mas, outro impacto das alterações de postura que ainda é muito pouco debatido são os efeitos psicológicos de se conviver com o que é considerado socialmente como um desvio do padrão de corpo humano.
Postura corporal e autoestima
Desde a minha infância até o final da adolescência, eu tive dificuldades de me reconhecer ao me olhar no espelho. Parecia que a imagem que eu via refletida ali não correspondia à pessoa que eu me imaginava ser. Ficava frustrada, me perguntava o porquê de meu pescoço não poder ficar reto pelo menos uma vez na vida. Até quando minha postura estava em seus melhores momentos, eu acabava achando algum aspecto para criticar.
Eu cresci sem nenhum contato com outros indivíduos com discinesias. Até hoje, quando saio na rua, vejo pessoas sem deficiências me encarando, muitas vezes de forma indiscreta. Inclusive, já passei por situações de preconceito envolvendo minha postura, chegando até ao absurdo de ouvir “você é bonita, mas se fosse menos torta, seria mais bonita ainda” ou “arrume essa sua postura aí para sair na foto”.
Creio que o que descrevi acima ilustra um pouco os desafios que as pessoas com alterações posturais podem enfrentar ao longo da vida. Em uma sociedade que cultua o corpo e dita padrões de beleza, quem não se encaixa neles, por um motivo qualquer, tende a ser reprimido e sofrer pressões para se adequar às normas. E estas pressões acabam sendo tão fortes e tão presentes que os próprios indivíduos afetados por elas interiorizam-nas e passam a se cobrarem por isto.
Tendemos a assimilar conhecimentos e a conhecer o mundo através de padrões preestabelecidos. Assim, tanto as pessoas que já nascem com uma deficiência quanto as que a adquirem posteriormente podem estar sujeitas a interiorizar estas cobranças sociais para se adequarem a um padrão. Posso falar com mais propriedade acerca deste primeiro caso, porque eu nasci com Distonia, e mesmo nunca tendo me visto sem ela, ficava imaginando minha postura corporal sem as alterações típicas desta discinesia. E penso que, para as pessoas que adquiriram um distúrbio de movimento após a idade adulta, a comparação entre dois estados posturais (o antes e o depois), pode se tornar ainda mais inevitável.
Estas cobranças e conflitos podem impactar diretamente no nosso bem estar e na autoestima. Como lidar com isso? Mudanças sociais são lentas, mas possíveis, e a melhor forma de começá-las é partindo de nós mesmos. Nunca me esqueço do que uma colega minha com Distonia, Denise dos Santos, me disse uma vez, quando eu estava comentando o fato de meu pescoço se encontrar em uma posição que não me agradava. “Ana, você não é torta, você é distônica”.
O que isso quer dizer? Significa que não podemos nos comparar com a realidade de quem não tem as nossas características. Torta seria se eu tombasse deliberadamente a cabeça para um lado, porque eu mesma quis. Mas a realidade dos meus movimentos é diferente de quem não tem uma discinesia. Não podemos utilizar a mesma medida para situações diferentes.
Creio que este equívoco é o principal fator que leva aos impactos psicológicos das alterações posturais. Temos que mudar nossa maneira de pensar, entender que a suposta lógica e cobrança para se encaixar nos padrões sociais é falha e não abarca todas as realidades vividas. Reconheçamos o nosso corpo e as nossas necessidades e busquemos colocá-los em primeiro lugar, para nos fortalecermos e sermos felizes à nossa maneira.
* Crédito das imagens: Pixabay.
Por Ana Raquel Périco Mangili.
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