Começando as postagens de 2019 e aproveitando para retomar a subseção “Questão de Terminologias” do blog, hoje trago para debate um assunto meio amplo, mas que, depois, pretende se especificar: quais são as nomenclaturas corretas para se falar sobre deficiências e, ao final, sobre os distúrbios de movimento?
Muitas pessoas têm até receios de conversar abertamente sobre deficiências, com medo de, sem querer, ofenderem alguém por falta de conhecimento em saber quais palavras são mais aceitas socialmente neste universo. É natural que, se o indivíduo tem pouco contato com pessoas com deficiência, ou se esta realidade não faz parte do seu cotidiano, ele se sinta desnorteado ou com dúvidas sobre o tema em questão. E é por isso que é tão importante termos espaços para debater e difundir os conhecimentos acerca das deficiências para a sociedade de forma geral.
Usar os termos socialmente aceitos e corretos não é simplesmente uma questão de escolha de cada um. As nomenclaturas mais antigas são carregadas de preconceitos e estereótipos a respeito das pessoas com deficiência, obstáculos que nós já enfrentamos diariamente em todas as esferas da vida cotidiana. Então, o mínimo que cada indivíduo que tenha empatia com os demais pode fazer é evitar a propagação de tais preconceitos e estereótipos por meio da linguagem, das palavras que vier a utilizar para se referir a nós e, ao fazer isso, acaba também contribuindo para o avanço da inclusão social.
Os exemplos mais básicos que ilustram como as palavras podem ser nocivas à representação da pessoa com deficiência são termos como inválido, doente, defeituoso, incapaz, aleijado… Por motivos óbvios, esses termos hoje são considerados extremamente ofensivos e devem ser evitados em qualquer situação.
Já os termos “pessoa portadora de deficiência”, “pessoa com necessidades especiais”, “pessoa excepcional” também caíram em desuso há um bom tempo. O primeiro, porque deficiência não é algo que se porte (e, consequentemente, daria para deixar de portar): deficiência é uma dentre outras características fixas da pessoa. O segundo termo, que inicialmente foi criado para se referir às necessidades educacionais específicas de alguns jovens com deficiência, hoje é entendido como uma expressão muito genérica (afinal, idosos, gestantes, crianças e diversos outros grupos sociais têm também suas próprias necessidades específicas). E o terceiro exemplo pode ser considerado preconceituoso ao aludir à noções de normalidade/diferença (a pessoa seria excepcional só porque ela tem uma deficiência?).
Mediante todos esses exemplos citados, a pergunta que geralmente fica é: “então, como se referir às pessoas com deficiência de forma correta?”. E a resposta está na própria pergunta: simplesmente use a expressão “pessoa COM deficiência”, que é recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esta expressão denota exatamente o sentido da deficiência de ser apenas uma característica do indivíduo, e não algo que o define em sua totalidade. O termo “pessoa” sempre deve vir em primeiro lugar. Seguindo a mesma lógica, a palavra “deficiente” hoje é mais aceita como adjetivo, e não como substantivo (por exemplo, “as pessoas deficientes”, no lugar de “os deficientes”).
Cada tipo de deficiência também tem suas próprias terminologias corretas. Como o objetivo do Blog Dyskinesis é falar sobre os distúrbios de movimento, apresentarei as nomenclaturas específicas desta categoria apenas. Mas, antes de entrar neste tópico, recomendo a leitura da postagem “Questão de Terminologias – Doença x Deficiência” aqui no Dyskinesis, onde, além de explicar anteriormente as diferenças entre os conceitos de “doença” e “deficiência”, também esclareci algumas dúvidas relativas ao uso da palavra “doença”.
As terminologias dos distúrbios de movimento
Para começar, gostaria de esclarecer que a categoria dos distúrbios de movimento é uma área relativamente recente nos estudos médicos e, portanto, pouco difundida também no meio social. A origem do nome da categoria é uma tradução livre da expressão inglesa “movement disorders”, podendo ser traduzida também como “distúrbios do movimento”, “desordens do movimento” ou “transtornos do movimento”. Particularmente, acredito que a expressão “distúrbio” seja mais adequada do que as outras duas, além de ser, de fato, a mais utilizada no Brasil.
Dentro dos distúrbios de movimento, há também uma subcategoria, a das Discinesias, que já foi explicada com detalhes em uma postagem anterior no blog, “Questão de Terminologias – Discinesia”, cuja leitura recomendo. Além disso, a lógica para se referir aos distúrbios de movimento/discinesias é a mesma aplicada ao termo geral “pessoa com deficiência”, priorizando-se a palavra “pessoa”. Por exemplo: é correto falar “pessoa com Parkinson/parkinsonismo” ou “pessoa com distonia”, entre outros, mas não “o parkinsoniano” ou “o distônico” (exceto nos casos de quando a própria pessoa com esse tipo de deficiência quer usar esses termos para falar de si mesma ou das comunidades on-line sobre esse assunto das quais participa, porque aí está reivindicando uma identidade, uma sensação de pertencimento a um grupo social que constantemente é invisibilizado na mídia convencional).
Para alguns distúrbios de movimento, há outras particularidades a serem consideradas também. No caso da Doença de Parkinson, convidei a Danielle Lanzer, ativista criadora do Projeto Vibrar com Parkinson, para dar mais detalhes das terminologias da área com o depoimento a seguir.
“Doença de Parkinson ou, simplesmente, Parkinson: é assim que se deve falar sobre essa patologia neurológica progressiva e ainda sem cura, e não ‘Mal de Parkinson’. O termo ‘mal’ não deve ser utilizado para se referir ao Parkinson ou a nenhuma outra doença, pois, além de inadequado, gera desconforto e estigmatiza as pessoas. Em buscas exaustivas na literatura, não encontrei nenhuma informação ou justificativa para o uso desse termo no Brasil. Resgatando a história, o médico Dr. Jean-Martin Charcot foi um dos maiores clínicos e professores de medicina francesa que retomou os estudos sobre a doença, renomeando a paralisia agitante para ‘Maladie de Parkinson’ em homenagem ao Dr. James Parkinson, médico que descreveu pela primeira vez os sintomas desta doença. Uma hipótese é que pode ter ocorrido um equívoco na tradução de ‘Maladie’ (doença) em francês para a língua portuguesa, sendo então chamada de ‘Mal de Parkinson’ no Brasil”.
Continua Danielle Lanzer em seu depoimento: “Em relação aos termos usados para se referir às pessoas diagnosticadas com Parkinson, o termo ‘portador de Parkinson’ ainda é muito utilizado e um dos mais aceitos. ‘Parkinsoniano’ também é bem comum, mas há pessoas que não gostam de serem chamadas assim. ‘Paciente’ é um termo mais usado pelos profissionais da saúde, o que concordo quando estamos em atendimento, mas fora do ambiente médico-hospitalar não vejo necessidade. Recentemente, o termo ‘pessoa com Parkinson’ foi introduzido na comunidade e vem tomando destaque. Ao meu ver, é a forma mais adequada de se referir a quem tem a doença. No entanto, não considero os anteriores (portador de Parkinson, parkinsoniano e paciente) termos agressivos, discriminatórios ou constrangedores. O que deve se ter em mente é o respeito com o próximo. Afinal, independentemente de qualquer diagnóstico, somos seres humanos antes de tudo!”, finaliza a ativista.
Outro caso de atualização de nomenclaturas na área dos distúrbios de movimento diz respeito ao antigo termo “Paralisia Cerebral”, que inclusive foi o primeiro que teve uma postagem de esclarecimento sobre ele aqui no blog (recomendo a leitura). Agora, gostaria também de fazer algumas observações sobre terminologias de deficiências que não necessariamente são classificadas como distúrbios de movimento, mas que cujos sintomas ou condições podem se assemelhar aos deles. Como exemplo disso, as escleroses. O correto é dizer sempre “pessoa com esclerose”, e não “o esclerosado” (que é, inclusive, considerado ofensivo). Segue-se a mesma lógica no caso da epilepsia (“pessoa com epilepsia”, e não “o epiléptico”) e das paralisias parciais ou totais (“pessoa com paraplegia ou tetraplegia”, e não “o paraplégico/tetraplégico”).
* Créditos das imagens: Pixabay e arquivo pessoal de Danielle Lanzer.
Por Ana Raquel Périco Mangili.