Inauguro agora, dentro da seção Cantinho Reflexivo, um espaço para debater sobre as terminologias utilizadas dentro da área de distúrbios de movimento. As postagens dessa categoria trarão não apenas fatos, mas também minhas opiniões como pessoa com deficiência e/ou as de profissionais da saúde que consultei. Sintam-se à vontade para exporem os seus pontos de vista nos comentários de cada post para debatermos de forma construtiva sobre o tema.
Na reportagem de introdução sobre os distúrbios de movimento, comentei que o Dyskinesis não pretende usar o termo Paralisia Cerebral como sendo um dos tipos de discinesias, e que os motivos para isso seriam explicados com mais detalhes em breve. Pois bem, chegou a hora! Vamos debater sobre a expressão Paralisia Cerebral (ou PC).
O que designa esse termo? Paralisia Cerebral representa um conjunto muito variável de desordens motoras e da postura, que podem estar acompanhadas também de deficiências sensoriais ou intelectuais, todas tendo como causa uma lesão não progressiva do cérebro em seu período de desenvolvimento (por isso, outro nome dado para a PC é Encefalopatia Crônica Não Progressiva da Infância).
Essa lesão no encéfalo pode ser do tipo física (visível em exames de imagem) ou química/funcional (não aparente em exames, mas alguns profissionais podem não considerar esse tipo como encefalopatia), e sua origem pode estar em fatores ocorridos antes, durante ou após o parto, como uma anóxia (falta de oxigenação), uma infecção, um traumatismo craniano, entre outros.
Em relação às deficiências físicas que uma PC pode causar, estão distúrbios do movimento como a Espasticidade, a Distonia, a Atetose e a Ataxia, ou então paresias e paralisias de membros do corpo. Alterações visuais e auditivas, e também deficiência intelectual, podem estar presentes em parte desses casos.
Essa grande variedade de manifestações do que se chama Paralisia Cerebral faz com que o termo seja considerado genérico, levando muitos profissionais de saúde da atualidade a preferirem denominações mais específicas. É como se a expressão PC indicasse apenas a causa de certas deficiências (uma lesão no encéfalo), e não suas características, que são as mais diversas possíveis (físicas, visuais, auditivas ou intelectuais).
Além disso, o próprio termo Paralisia Cerebral traz uma noção errônea e ultrapassada pelo conhecimento atual da Neurociência: uma lesão no encéfalo não causa a sua paralisia. Esse órgão do corpo possui uma incrível habilidade que é a plasticidade neuronal. Quando uma parte das células cerebrais é lesionada, outras podem se adaptar para substituir, mesmo que parcialmente, as funções das que foram afetadas.
Sendo assim, ninguém que sofreu uma lesão no encéfalo vai ter o “cérebro paralisado”. Essa expressão abre brechas para a disseminação de mitos e para a perpetuação da cultura do capacitismo. Como se uma lesão cerebral limitasse a pessoa em todos os setores da vida em sociedade. O termo PC, inclusive, foi difundido pelo médico e psicanalista Sigmund Freud, com a palavra paralisia se referindo à sua teoria, limitada pelos conhecimentos da época, de que crianças com lesão no cérebro apresentavam uma “paralisia” dos sentimentos (dificuldade em expressá-los em relação à mãe), e não do cérebro em si.
Claro que, quando é a própria pessoa com deficiência ou demais indivíduos envolvidos que aceitam e utilizam a expressão Paralisia Cerebral, a problemática exposta nos parágrafos acima não se encaixa nesses casos. Sei que ainda há o uso desse termo hoje em dia. Eu mesma já vivenciei situações desse tipo.
Minha distonia generalizada provavelmente veio de uma anóxia no pós-parto, assim como a minha deficiência auditiva, pelo fato de eu ter nascido prematura e ter ficado uns instantes com um tom de pele arroxeado. Digo provavelmente, pois exames de imagem não detectam alterações físicas no meu cérebro, sobrando a classificação de disfunção química/funcional. Meu quadro clínico, segundo a nomenclatura da PC, pode ser chamado de Paralisia Cerebral Distônica, e eu mesma já usei esse termo, como visto aqui nesse depoimento para o Blog Crônicas da Surdez.
Mas também já vivenciei o outro lado, vi o preconceito e a falta de esclarecimento que o emprego desse termo pode suscitar nas pessoas. Sendo o Dyskinesis um veículo público com o objetivo de divulgar e desmitificar questões relativas à vida da pessoa com distúrbio de movimento, sinto-me no dever de mostrar todas as faces que o uso da expressão Paralisia Cerebral pode revelar.
Assim, devido ao abandono, lento e gradual, do termo pelos profissionais da área da saúde, pelo fato da PC nem sempre causar uma discinesia (e sim outras deficiências), e também para evitar preconceitos advindo de uma interpretação errônea da expressão, optei por evitar incluí-la na categoria de distúrbios de movimento, que já conta com a Espasticidade, a Distonia e demais discinesias que podem ser causadas por uma lesão no cérebro.
Depois de explicados todos esses pontos, digo que, em relação ao uso esclarecido da expressão PC, livre de preconceitos, para se referir a minha condição ou a de qualquer outro indivíduo que aceite a nomenclatura, não vejo problemas nenhum nisso, pois sei que muitas pessoas ainda seguem utilizando essa expressão. E vocês, o que opinam?
* Crédito da imagem: Pixabay.
Por Ana Raquel Périco Mangili.
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Muito bom! Adorei conhecer o seu blog e, em especial, a explicação sobre o termo “paralisia cerebral”. Grande abraço.
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Que bom, fico contente! Abraços 😉
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