Nos dias 29 e 30 de novembro e 01 de dezembro de 2016, teve vez o 8° Encuentro de la Red Interuniversitaria Latinoamericana y del Caribe sobre Discapacidad y Derechos Humanos – “De la comunidad para la comunidade. Accesibilidad académica y participación estudiantil”, realizado no Centro Universitario de Ciencias Económico Administrativas (CUCEA), pertencente à Universidad de Guadalajara (UDG) e localizado no município de Zapopan, México.
Os encontros da Red Interuniversitaria Latinoamericana y del Caribe sobre Discapacidad y Derechos Humanos são realizados anualmente com o objetivo de promover reflexões e trocas de experiências práticas e teóricas entre instituições de ensino superior de vários países da América Latina e, com isso, ajudar na construção de políticas institucionais que promovam a acessibilidade acadêmica e a inclusão de pessoas com deficiência nas universidades.
Eu, Ana Raquel Périco Mangili, aluna do quarto ano de graduação do curso de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, campus de Bauru/SP), estagiária em assessoria de imprensa na Associação dos Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear (ADAP) e autora do blog jornalístico Dyskinesis, fui convidada pela UDG e pela Red Interuniversitaria Latinoamericana para contar minhas experiências como universitária com deficiência, atuante brasileira na área, e falar também sobre as políticas de acessibilidade criadas pela UNESP.
A viagem teve o apoio da UDG, da CUCEA e da UNESP (através da Pró-Reitoria de Graduação e da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação). Agradeço desde já pela oportunidade me concedida. Em 2015, também participei do 7º Encuentro de la Red Interuniversitaria Latinoamericana y del Caribe sobre Discapacidad y Derechos Humanos, ocorrido na Universidad de Valparaíso, Chile, nos dias 10, 11 e 12 de novembro.
O que foi discutido no 8º Encuentro de la Red?
Durante os três dias do evento, houve palestras de representantes universitários de vários países latino-americanos sobre a implementação de políticas institucionais voltadas para cada tipo de deficiência (física, visual, auditiva e intelectual). O destaque foi para o reconhecimento unânime do modelo social da deficiência, ou seja, as limitações encontradas não estão mais no indivíduo (como o antigo modelo médico sugeria), e sim são originadas na interação deste com as barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais impostas pela sociedade.
Assim, reafirma-se o dever de cada Estado e de suas instituições de promoverem medidas de inclusão e de acessibilidade. A deficiência deve ser vista como um processo natural ao qual todo ser humano pode estar sujeito no decorrer de sua vida. É uma característica da diversidade humana e, como tal, possui múltiplas formas e particularidades. O que se leva a outro ponto amplamente citado no evento: a necessidade de individualização das práticas inclusivas, ou seja, a consulta aos próprios alunos com deficiência e a promoção da participação direta de cada um na construção de políticas de acessibilidade.
“Nada sobre nós, sem nós”, esse é o lema do movimento das pessoas com deficiência em várias partes do globo. Para o desenvolvimento de uma sociedade plenamente inclusiva, os indivíduos com deficiência devem ser sempre consultados, afinal, somos cidadãos com os mesmos direitos que os demais e queremos nossa representatividade.
A não participação de nosso segmento da população na elaboração de políticas voltadas a nós pode gerar estereótipos e ainda mais exclusão, ao não se levar em conta a diversidade de condições existentes. Por exemplo, no universo da surdez, ainda é muito presumido que toda pessoa com deficiência auditiva usa língua de sinais. Ou também, as deficiências físicas ainda são vistas como sinônimos apenas de paraplegia ou tetraplegia. Daí, os recursos de acessibilidade disponibilizados não serão suficientes para atender a todas as necessidades, o que é chamado de “inclusão excludente”.
A realidade brasileira no ensino superior
Pensando nessa questão participativa, todo ano a Red Interuniversitaria Latinoamericana também convida estudantes com deficiência de cada país para relatar suas experiências e necessidades. Foi aí que palestrei sobre minhas vivências na Unesp e seus programas de acessibilidade. É muito importante esse tipo de participação dos alunos, porque ainda somos exceção no meio universitário. No Brasil, por exemplo, os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de 2012 indicam que o número de matrículas de estudantes com deficiência representa apenas 0,37% do total de matrículas nos cursos de graduação no país.
As dificuldades encontradas por essas pessoas são muitas, não só na universidade, mas desde os primeiros anos do ensino regular. Nosso sistema educacional é extremamente fechado e padronizado, dando pouco espaço para adaptações segundo as características dos alunos. Com qual frequência você encontra conteúdos educativos em vídeos com legendagem, janela com intérpretes em língua de sinais e audiodescrição, ao mesmo tempo? E escolas e universidades que tenham rampas de acesso em todos os seus espaços?
Isso sem falar ainda nos discursos do capacitismo (o preconceito contra as pessoas com deficiência). Esse foi outro ponto discutido no 8º Encuentro de la Red: sobre como as barreiras atitudinais também têm grande peso no acesso à educação superior. A superproteção, as expectativas cercadas de estereótipos e as opressões culturais sobre os indivíduos com deficiência devem ser igualmente trabalhadas para que a inclusão seja efetiva. Não apenas no ambiente universitário, mas em todos os espaços da vida em sociedade, como na família, no trabalho, entre outros.
O 8º Encuentro de la Red Interuniversitaria Latinoamericana y del Caribe sobre Discapacidad y Derechos Humanos coincidiu com a proximidade da data do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, 03 de dezembro. Que as reflexões promovidas pelo evento inspirem a todos na luta pela construção de uma sociedade mais justa e acessível.
* Fotos: arquivo pessoal da autora do texto.
Por Ana Raquel Périco Mangili.
Linda matéria, Raquel. Muito elucidativa e espero que quem de direito a leia e tome providências e que não mais seja um grupo discutindo tais problemas, mas milhões de pessoas envolvidas nesta luta, como você mesma escreveu, por uma sociedade mais justa e acessível e que a palavra “deficiente”, o adendo é meu, possa desaparecer do nosso vocabulário…Parabéns e abraços!
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Obrigada, Sergio! Abraços 😉
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