Câimbra do Escrivão – A história de Divanício Pessoa

Aproveitando que hoje é o Dia Nacional da Distonia, o Blog Dyskinesis traz a história de um ativista desta causa em nosso país, o paraibano Divanício Pessoa. Ele convive com a distonia focal de membro superior (mais conhecida como Câimbra do Escrivão, um dos tipos mais populares de distonia) desde o seu nascimento.

Divanício é sociólogo, psicólogo e psicoterapeuta, além de ser autor do Blog Homens de Bem, uma grande fonte on-line de informações especificamente sobre a distonia, e que inclusive foi uma das minhas inspirações para o projeto do Dyskinesis. Em seu texto abaixo, Divanício fala sobre as implicações da Câimbra do Escrivão em sua rotina diária e também sobre a importância da autoaceitação da deficiência para se ter uma melhor qualidade de vida.

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“Superando limites

Eu tenho distonia focal do membro superior, vulgarmente conhecida como Síndrome da Câimbra do Escritor, desde a infância. Sou ambidestro e tenho tido dificuldades para escrever desde a época da minha alfabetização. Sempre convivi com esta limitação, mas não sabia que problema era este.

Apesar de tudo, estudei e hoje tenho uma profissão. Antes, eu achava que nunca ia conseguir entrar numa universidade devido à doença. Fiz Sociologia pela UFCG – Universidade Federal de Campina Grande, e depois cursei Psicologia pela UEPB – Universidade Estadual da Paraíba.

Desde 1994, sou psicólogo e psicoterapeuta, trabalhando na área de Psicologia da Saúde. Tenho especialização em Psicopedagogia e Gestão em Saúde Mental. Sou coordenador de um CAPS – Centro de Atenção Psicossocial há seis anos e Presidente da Comissão de Processo Disciplinar de uma Prefeitura Municipal de uma cidade do cariri paraibano. Sou concursado nesta cidade há dezenove anos.

Descobri que tinha Câimbra do Escritor no ano de 2000, quando fui a um neurologista em Campina Grande, minha terra natal. Ele me receitou alguns remédios que eu usei por pouco tempo, pois não houve uma melhora significativa. Fui à outra neurologista, indicada por ele, na cidade de João Pessoa. Ela sugeriu a aplicação de toxina botulínica. Na época, eu não aderi ao tratamento por ser dispendioso.

Mas, em 2008 voltei ao mesmo neurologista. Como ele estava oferecendo o tratamento com toxina botulínica e o SUS já disponibilizava a medicação na época, então resolvi fazer a primeira aplicação da toxina no mês de junho.

No mês de dezembro de 2008, fiz uma consulta no Sarah Kubitschek em Brasília e realizei alguns exames, dentre eles, uma ressonância magnética. No retorno ao médico, fui submetido a uma sessão de pedagogia e fisioterapia no Sarah. Em maio de 2009, fiz outra oficina de pedagogia e comecei a reaprender a escrever com a mão esquerda. No passado, eu já tinha aprendido a escrever com a mão esquerda, mas tinha esquecido e perdido esta habilidade.

Em dezembro, depois da quarta aplicação da toxina botulínica, abandonei o tratamento por perceber efeitos colaterais, como atrofia muscular e perda da força do braço. Na realidade, a toxina botulínica não apresenta um efeito significativo para mim. Comecei a perceber que ela só melhorava a postura ao escrever, a firmeza na escrita e uma melhor pegada no lápis. Com relação à lentidão e a falta de agilidade para escrever, não tive nenhuma evolução.

Na verdade, eu nasci com distonia focal do membro superior. Eu sou canhoto e minha mãe me ensinou a escrever com a mão direita, porque eu já demonstrava dificuldade para a escrita, na época. Desta forma, a minha vida virou tornou-se um grande infortúnio. Eu escrevia devagar e com força, sem jeito para pegar no lápis e eu era sempre vítima de bullying na escola. A alfabetização tornou-se difícil. A doença apresentou-se primeiramente nas mãos. Depois dos trintas anos, começou a evoluir para os braços.

Eu tenho suportado muitas dificuldades até então: sempre foi um esforço grande para estudar e viver, pois a doença, no meu caso, não só afetou a parte motora, mas o psiquismo e o processo cognitivo também. A vida escolar foi muito abstrusa… Pensava que nunca ia conseguir terminar os estudos.

Somado a esta limitação, a minha adolescência foi cheia de doenças que, de certa forma, me incapacitou e me isolou do meio social. Nesta época, comecei a fazer natação, Yoga e Tai Chi Chuan. Todas estas práticas me ajudaram muito e ainda contribuem para o meu bem estar.

Além do uso da toxina botulínica, passei a usar um engrossador de borracha para caneta e uma caneta ergométrica chamada Ringpen, que ajudou um pouco. Mas estas formas adaptativas e paliativas não tiveram um resultado significativo.

Depois dos 40 anos, a doença começou a evoluir muito e passei a sentir as mãos e os braços rígidos a todo instante. Qualquer tarefa que implicasse psicomotricidade fina passou a ser uma tortura e um incômodo imensos. Escrever e digitar reverteu-se em coisas ruins e chatas. Usar uma faca e um garfo tornou-se um esforço incomensurável. Folhear um livro virou algo insuportável. Grifar palavras ou frases me fez conviver com lentidão e tremores sutis das mãos.

Em 2010, comecei a fazer acupuntura com uma fisioterapeuta e permaneci durante dois anos e meio. Este foi o melhor tratamento a que já fui submetido. Abandonei-o por dificuldades financeiras. Esta foi mais uma inconveniência.

As prováveis causas da minha distonia foram uma lesão durante o parto, com fórceps, e o fato de nascer cianótico. Assim como o histórico de parkinsonismo na família. O que complicou mais ainda foi o fato de viver uma vida não aceitando a doença-deficiência. O limite maior a ser superado não foi conviver com as limitações da patologia, mas sim aceitá-la e conviver com os olhares curiosos das pessoas diante da diferença, sem se incomodar.

Em abril de 2009, encontrei uma comunidade sobre distonia no antigo Orkut, o que me deu uma imensa alegria, pois encontrei pessoas que tinha o mesmo problema. Antes, eu nunca tive contato com outros pacientes de distonia. Esta comunidade migrou para o Facebook que tem sido uma mídia social importante para o movimento de conscientização da distonia.

Nesta época, comecei a escrever o blog Homens de Bem, que tem um papel importante na minha caminhada de ativista da distonia, pois ao mesmo tempo em que eu escrevia sobre a experiência agonizante com esta condição neurológica, eu também começava a fazer amizades com outros blogueiros ativistas da distonia. Desta forma, este processo foi um marco para eu sair do casulo e isolamento, com o intuito de aceitar a condição de saúde, ajudar outros pacientes a viverem bem com distonia e conscientizar a todos da necessidade de se criar mecanismos para encontrar a cura para doenças neurológicas do movimento. Assim como, também, promover a saúde com o exemplo pessoal, informações científicas e divulgações de pesquisas sobre a distonia.

Divanício Pessoa”.

* Créditos das fotografias: arquivo pessoal.

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