Como é passar por uma cirurgia de Implante Coclear tendo Distonia?

Neste ano, ocorreram alguns momentos difíceis em minha vida. Porém, antes que 2025 terminasse, fui chamada, em uma lista de espera do SUS, para realizar uma cirurgia muito aguardada: a da inserção dos componentes internos de um Implante Coclear (IC).

Antes de explicar, abaixo, o porquê precisei desse procedimento médico, esclareço o motivo de trazer esse assunto para meu blog sobre distúrbios do movimento: tenho distonia generalizada, tomo diversos medicamentos para controle dos sintomas físicos e nunca havia passado por cirurgia antes. E, também, mesmo procurando na internet, por anos, relatos de pacientes em condições semelhantes às minhas, nunca encontrei nenhum brasileiro(a) com distonia, surdez profunda e usuário(a) de Implante Coclear.

Essa ausência de referências e de informações práticas me trouxe uma insegurança extra antes de passar pela cirurgia, e me mostrou, mais uma vez, a importância de pessoas com doenças raras se unirem e compartilharem suas experiências de vida.

Então, disponibilizarei, aqui no Dyskinesis, meus relatos sobre cada etapa que envolve a implantação e a adaptação ao “Ouvido Biônico”, apelido que o Implante Coclear recebe por se tratar de uma prótese que substitui boa parte do sentido da audição humana perdida.

Mas o que tudo isso teria a ver com a distonia? Simples: um dos tipos de distonia mais comum é a cervical (ou Torcicolo Espasmódico), e o componente interno do Implante Coclear é inserido, cirurgicamente, por meio de uma incisão logo atrás da orelha e relativamente próxima de músculos do pescoço, como o Trapézio e o Esternocleidomastóide.  Vocês podem imaginar que as inúmeras dúvidas acerca da existência da distonia e da implantação do componente interno do IC em um mesmo corpo já começam aí.

Um pouco antes de esclarecer cada uma dessas dúvidas nesta primeira postagem, que envolve o pré e o pós-operatório, compartilho abaixo um texto que postei em meu perfil pessoal do Facebook, elucidando os principais motivos que me levaram a optar pelo IC. Depois, compartilharei mais detalhes que podem ser úteis a pessoas que, assim como eu, têm distonia e surdez profunda concomitantemente.

15 de dezembro de 2025 – O dia em que recebi meu melhor presente de Natal e de Ano Novo

Dos 7 aos 17 anos, perdi as contas de quantas vezes chorei, de frustração, por não conseguir acompanhar atividades orais em sala de aula, mesmo utilizando aparelhos auditivos desde os 9 anos de idade.

Durante a graduação e a pós-graduação, o uso de uma nova tecnologia, o Sistema FM, foi fundamental para que eu compreendesse o que era dito pelos professores e, inclusive, fizesse um intercâmbio para a Espanha.

Até que, por volta dos 23 anos, tudo mudou. Minha perda auditiva de grau moderado, que achávamos que seria estável pelo resto da vida, se tornou progressiva. Essa notícia trouxe um grande abalo emocional, pois eu sabia o que viria a seguir, e chorei muito.

Fui perdendo o sentido da audição ano após ano. O Sistema FM deixou de ser suficiente para minhas necessidades de comunicação. Os aparelhos auditivos, mesmo sendo trocados por modelos mais potentes, funcionavam no limite de suas capacidades para me dar apenas a detecção dos sons.

Perdi a habilidade de reconhecer vozes, até mesmo as mais familiares. Perdi a capacidade de ouvir músicas (algo que apreciava desde criança, pois nasci ouvinte). Mesmo utilizando aparelhos auditivos, eu já não detectava sons de várias frequências.

Finalmente, no começo desse ano, perdi toda a audição do ouvido esquerdo (a do ouvido direito ainda se mantém no grau profundo). Novamente, foi um baque emocional tremendo. Dessa vez, apenas chorar não foi o suficiente para superar essa perda definitiva. Tive que descobrir novos hobbies e me dedicar a eles como válvula de escape.

Porém, desde criança eu sabia que existe uma tecnologia capaz de devolver a audição. Até trabalhei, como assessora de imprensa, por 5 anos e meio em uma extinta ONG para usuários do chamado “Ouvido Biônico”, ou Implante Coclear. Ele é como uma prótese, com componentes internos e externos, destinados a fazer com que as ondas sonoras cheguem novamente ao cérebro, sem necessitar das estruturas auditivas que foram perdidas.

Assim, aguardei a minha vez na fila do SUS para ser operada e receber, posteriormente, os componentes externos do Implante Coclear. Meu maior medo, além da falta de referências nacionais para meu quadro clínico (pessoa com distonia generalizada e surdez profunda), era o de acordar, depois da cirurgia, e sentir falta do restinho mínimo de células que eu ainda tinha (só serviam para detectar barulhos muito altos, tipo sons de batidas de porta ou de explosões).

Realmente, quando acordei e, um tempo depois, o cirurgião veio falar comigo, eu chorei. Mas, pela primeira vez na vida, não foi um choro devido a uma perda. Foi um choro por um GANHO. A cirurgia foi um sucesso, sem nenhum tipo de complicações ou sequelas, e com a inserção total dos eletrodos na cóclea esquerda (o que significa que irei recuperar todas as frequências auditivas que perdi com o passar dos anos).

Agora, estou em período pós-operatório e, daqui a um mês, receberei a parte externa do Implante Coclear. Sei que terei um longo caminho pela frente, com programações (mapeamentos) do processador auditivo, terapias fonoaudiológicas e intensa dedicação, por cerca de 2 anos.

Minha nova audição não será a mesma de antes, obviamente. Porém, de que isso importa, se não há como recuperar a audição natural perdida? Eu sou é extremamente grata por existir a tecnologia do Implante Coclear, e pela equipe médica do Centro de Implante ter a perícia necessária para realizar a cirurgia com o maior índice de sucesso possível, mesmo eu tendo outra comorbidade grave (distonia generalizada).

E, com toda a certeza do mundo, quando eu perder a audição natural restante do ouvido direito, encararei novamente o mesmo procedimento para voltar a ouvir do outro lado. Pois é isso que realmente importa, para quem sempre viveu incluída no mundo sonoro!

Deixo aqui meus agradecimentos à toda a equipe multiprofissional do centro de implante, em especial à fonoaudióloga Elisabete (que me conhece e me ampara desde que eu era criança) e ao Dr. Mateo e sua equipe, cujas habilidades médicas tornaram possível o sucesso cirúrgico do meu primeiro Implante Coclear.

Também agradeço, como sempre, ao meu companheiro, à minha irmã e ao meu pai, por todo o incentivo e o apoio prestados nesse momento marcante da minha vida. E, igualmente, aos amigos e parentes que me acompanharam nessa trajetória.

Distonia X cirurgia do Implante Coclear: Relato do meu caso clínico

Agora que os motivos acerca da minha necessidade de me submeter à cirurgia foram explicados, enfatizo apenas uma coisa antes de entrar nos detalhes prometidos: cada caso é um caso! Essa frase se popularizou bastante entre profissionais e usuários de IC, e não sem razão, pois o sucesso da cirurgia e a qualidade dos novos sons que a pessoa ouvirá dependem de inúmeros fatores. E o mesmo deve valer se formos comparar casos de indivíduos com distonia e usuários do Ouvido Biônico. O compartilhamento de experiências é importante, porém, devemos nos atentar e evitar comparações muito exigentes.

Dito isso, começaremos com o relato da etapa pré-cirúrgica do meu caso em específico. Antes da realização da cirurgia, necessita-se de exames de imagens (tomografia e ressonância magnética) que mostrem as estruturas internas da cabeça e dos ouvidos. Já nesse primeiro procedimento precisou-se de adaptações devido aos espasmos intensos que tenho na região cervical. Foi tentado a imobilização física, com coletes e amarras, mas, mesmo assim, as imagens saíam borradas ou tremidas.

Então, recorremos à sedação intravenosa, a única forma de cessar completamente meus espasmos (essa é uma característica exclusiva da distonia, onde todos os sintomas param quando o indivíduo dorme ou fica inconsciente). Devido ao requisito da sedação, levou-se um tempo a mais para conseguir a autorização, pelo SUS, para a realização de tais exames.

Tendo sucesso nessa primeira parte, foi feita a verificação dos remédios de uso contínuo e da toxina botulínica que aplico a cada seis meses, com o objetivo de saber se algum deles interferiria na quantidade de anestesia geral que eu receberia antes da cirurgia. Por uma escolha minha, coordenei a data de aplicação da toxina botulínica para o mesmo mês em que eu seria operada, a fim de ter relaxamento dos músculos cervicais no pós-operatório e, assim, poder dormir melhor.

Como faço uso de alguns dos remédios para controle dos espasmos e, também, da própria toxina botulínica há mais de 20 anos, a quantidade de anestesia que seria necessária, para mim, foi um pouco maior do que a recomendação típica para pacientes sem distonia. Além disso, a equipe multiprofissional do Centro de Implante notou que, no meu caso, os espasmos distônicos interferem no ritmo respiratório (pois o diafragma também é um músculo e, portanto, não deixa de ser um “alvo” para a distonia generalizada).

Por mais que eu argumentasse que a interferência distônica no meu ritmo respiratório também cessaria quando eu ficasse inconsciente devido à anestesia geral, os profissionais médicos acharam melhor agir com cautela. Assim, para que eu pudesse ser operada, tive que assinar um termo de consentimento a mais: aquele que autorizava a equipe médica a me transferir para a UTI caso percebessem, após a cirurgia, que minha respiração teria dificuldades em se restabelecer sozinha.

Acreditem ou não, mas essa precaução extra não me assustou nem um pouco. Talvez isso ocorreu pelo fato de eu conviver há exatos 31 anos com o mesmo tipo de distonia e estar até “cansada” de ouvir tanto meus pais, quando eu era criança, quanto meu companheiro, na vida adulta, afirmarem que chego a parecer outra pessoa quando estou dormindo, pois meus espasmos cessam completamente, meus movimentos corporais se tornam mais fluídos e meu ritmo respiratório muda drasticamente.

No fim das contas, para o alívio dos profissionais envolvidos, de fato não precisei de UTI, porque todos os vestígios da distonia desapareceram assim que a anestesia geral começou a fazer efeito, normalizando minha respiração. Tanto que, quando enfim terminaram as quatro horas de duração da cirurgia, os médicos aproveitaram a “ausência” da distonia e tiraram raio-x para ver como ficou a posição da parte interna do Implante Coclear no ouvido operado, antes que eu fosse levada ao quarto e acordada pelas enfermeiras.

Agora, começa o relato do meu pós-operatório. Enfatizo que ainda estou no começo desse período, pois escrevo esse texto há exatos sete dias após minha cirurgia. Então, poderá haver atualizações desta postagem futuramente. Mesmo assim, já tenho experiências a descrever para o blog neste momento.

Tenho poucas lembranças do momento exato em que acordei da anestesia geral. O efeito dela é bem mais forte do que o da sedação. Lembro-me de estar na maca, rodeada por enfermeiras, a caminho do quarto, e avistar meu companheiro, que também ficou como acompanhante permitido pelo Centro de Implante, nos alcançando, tocando meu ombro e acenando dentro do meu campo visual. Depois, apesar de ele me relatar que, inclusive, ajudei ativamente na passagem do meu corpo da maca para a cama do quarto, não tenho essa memória (mas isso é perfeitamente possível, pois minha distonia, apesar de ser generalizada, afeta mais meu pescoço e meus braços, me permitindo uma mobilidade das pernas quase sem nenhuma restrição ou espasmo).

Levei duas horas para conseguir vencer a fraqueza e recuperar a coordenação motora do braço dominante, a fim de ter êxito em manusear meu celular. Porém, minha voz voltou bem antes, apesar de eu ter disfonia (distonia que atinge as cordas vocais). Meu companheiro relata que comecei a conversar normalmente assim que me estabeleci na cama do quarto. Como eu já sabia que ficaria com a cabeça enfaixada por, pelo menos 24h, pedi para ele me ajudar a tirar uma selfie, e foi por meio das várias fotos tiradas que notei que meus espasmos faciais também voltaram com rapidez.

Porém, uma hipótese desagradável que foi levantada nas consultas pré-cirúrgicas se concretizou: a de que eu teria meu equilíbrio quase como que afetado em dobro, devido à junção dos efeitos temporários de uma cirurgia no ouvido com as alterações que já tenho devido à distonia. Aproveitei quando meu pai veio me visitar no hospital, três horas após eu ter acordado, para solicitar que meu companheiro e ele me amparassem, a fim de me levarem ao banheiro. Só de me levantar um pouco na cama, para que meu companheiro me auxiliasse com minhas refeições, eu sentia uma enorme tontura e, com isso, percebi que não conseguiria andar sozinha naquele mesmo dia em que fui operada.

Nessa hora confesso que fiquei um pouco desesperada, por não saber quando estaria apta a caminhar novamente (obs.: no dia seguinte eu já estava andando, apesar de ainda cambalear às vezes kkk). Além da tontura e das alterações no equilíbrio, que foram potencializadas pelo fato de eu ter distonia, houve outros efeitos do pós-operatório que são considerados típicos para esse tipo de cirurgia: dormência, inchaço e dores em todo o lado do ouvido operado, pressão interna na cabeça e zumbido intenso.

E, apesar de ter aplicado toxina botulínica nos músculos cervicais onze dias antes da cirurgia, sinto, até agora, uma certa rigidez na nuca e no músculo do esternocleidomastóide (apenas no lado do ouvido operado). Talvez isso fosse algo inevitável devido ao fato de eu fazer o tratamento da toxina botulínica há 21 anos e, portanto, meu organismo desenvolveu, há tempos, anticorpos que reduzem drasticamente a ação do produto em meu corpo (já ouvi, inclusive, médicos da área afirmando que é um “milagre” que a toxina ainda faça efeito em mim por um a dois meses após a aplicação).

Um dos meus grandes medos, antes da cirurgia, era que a toxina botulínica, de fato, não aliviasse a tensão muscular no pós-operatório, e que isso pudesse afetar minha qualidade de sono, a cicatrização do local operado, as dores e até mesmo causar “deslocamento” do implante dentro do ouvido. Porém, fui devidamente esclarecida, por mais de um médico, que a região do ouvido interno (a cóclea) onde foi inserido o feixe de eletrodos do implante não contém músculos e, portanto, a distonia não tem como “atingir” a estrutura implantada.

Quanto ao sono, a pior parte creio que já passou, que foi a noite em que tive que dormir sob observação no hospital. Como eu estava com, justamente, meu braço direito (aquele que mais tem espasmos da distonia) recebendo soro e antibiótico na veia, eu não podia mexê-lo bruscamente e nem “jogá-lo para trás”, que é a posição típica em que durmo em casa. Então, vocês podem imaginar o “inferno” que foi para adormecer minimamente enquanto inventava, com o resto do corpo, todas as “gambiarras” possíveis para tentar manter aquele braço parado, evitando que a agulha intravenosa saísse do lugar.

Em casa, na noite posterior à minha alta médica (fiquei, aproximadamente, um dia e meio no hospital), dormi doze horas seguidas, de tanto cansaço. Desde então, venho alternando noites bem dormidas com noites “mais ou menos”, devido ao incômodo de ter que repousar somente em uma posição, pois, como ainda faz uma semana que operei, um dos lados da cabeça ainda está dolorido e enformigado. Também, nos primeiros dias após a cirurgia, eu sentia muito cansaço e tontura se ficasse sentada ou debruçada sobre uma mesma posição por mais de uma hora.

O que mais me incomoda e me causa dúvidas, atualmente, é o quanto os movimentos do pescoço, sobretudo os mais bruscos devido aos espasmos, interferem na variação de pressão que sinto dentro da cabeça. Deixo registrado que, segundo a equipe médica que me operou, o zumbido e as variações de pressão são normais no período pós-operatório, devido ao inchaço das áreas adjacentes e ao tempo necessário para que o corpo se acostume com uma estrutura “biônica” implantada.

Porém, já notei que, dependendo do músculo do pescoço ativado durante um espasmo distônico, a pressão fica muito mais forte. O feixe de eletrodos está seguro dentro da cóclea por não haver músculos lá, mas, nas áreas adjacentes, há inúmeros conjuntos musculares que estão causando essa variação maior de pressão conforme espasmos aparecem aleatoriamente, como é típico da distonia.

É nessas horas que mais sinto falta de poder trocar experiências com quem tem os mesmos dois diagnósticos que os meus e já passou pelo processo completo de adaptação a um Implante Coclear. Por isso, considerei importante tornar público os meus relatos, e aproveito para fazer um pedido: se você, leitor(a), por acaso se encaixa na categoria de pessoa com distonia e usuária de Implante Coclear, poderia entrar em contato comigo, se assim o desejar? Nem que for apenas para trocar ideias por e-mail ou, se sentir à vontade, também pode fazer seu próprio relato escrito e me enviar, com fotos, para publicação aqui no Dyskinesis. Todo tipo de troca de conhecimentos é válido no universo das doenças raras!

Um pouco antes do Natal, voltarei ao Centro de Implante para retirar os pontos atrás da orelha e checar se está tudo em ordem com os componentes internos até o momento. Mesmo assim, estou proibida de carregar peso por dois meses, e de fazer esforços na fisioterapia por um mês. Atualização: voltei hoje, dia 23/12, e foi o mesmo cirurgião que me operou quem tirou os pontos. O profissional foi muito paciente e fez o procedimento de forma devagar, porque mesmo com meu companheiro segurando minha cabeça para eu não me mexer, os tremores do pescoço são intensos.

E, no final de janeiro de 2026, passarei por uma nova experiência: a da ativação do Implante Coclear (ou seja, a conexão e a configuração da parte externa, processador e antena) com a parte interna implantada. Após esse procedimento, voltarei aqui no blog com uma nova postagem relatando, novamente, as possíveis intersecções únicas entre o fato de ter distonia generalizada e uma prótese auditiva implantada.

* Créditos das imagens: Wikimedia e arquivo pessoal.

Por Ana Raquel Périco Mangili.

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