Sendo gamer com deficiência – Uma experiência pessoal

Nesse último feriado prolongado, consegui realizar um sonho de infância: o de zerar sozinha um jogo digital. Para quem não possui nenhuma limitação física ou não curta games, isso pode parecer uma conquista totalmente fútil.

Mas, para mim, que só tenho a coordenação motora de um braço, e ela não sendo 100%, desde o começo da minha infância, quando eu tinha um Super Nintendo, dependia de outras pessoas para me ajudar a passar de fases num jogo ou até mesmo para assumir o controle em meu lugar. E eu ficava assistindo como mera espectadora.

Por isso, com o decorrer dos acasos e com a evolução da tecnologia, me apeguei, por mais de uma década, aos jogos de computador da franquia The Sims, pois, para esse tipo de jogo (Simuladores de Vida), não existe a finalidade de zerá-lo, e nem de fases e objetivos a cumprir. Você pode pausar o jogo, controlar toda a jogabilidade com uns poucos botões e fazer tudo do seu próprio modo e em seu próprio tempo, coisas que são extremamente necessárias quando você só dispõe de dois ou três dedos de uma única mão para ter acesso a esse tipo de lazer.

Que fique claro aqui que não estou desmerecendo, de maneira alguma, os esforços das pessoas que jogaram junto comigo ou que me permitiram zerar jogos utilizando-se de suas mãos no lugar das minhas. Quando eu era pequena, esse papel foi desempenhado por alguns primos mais velhos. Na adolescência e na idade adulta, por minha irmã e por meu companheiro Alex. Graças principalmente a esses dois últimos, conseguimos zerar jogos das franquias Life is Strange e Final Fantasy, motivos pelos quais sou muito grata a eles.

Porém, de uns tempos para cá, descobri um game sobre um anime japonês que gosto muito, Shoujo Kakumei Utena (1997). Pedi para o meu companheiro começar a jogar comigo, sendo minhas mãos no jogo, devido ao grande trauma que carrego por não conseguir jogar, com autonomia, a maioria dos jogos digitais existentes.

Mas, assim que começamos a jogar, constatamos que o game fazia parte da categoria das Visual Novels. Nelas, você só precisa fazer escolhas para as situações apresentadas na trama e, com isso, ir definindo as consequências dos seus atos para chegar ao final pretendido, zerando propriamente a narrativa. Não precisa apertar múltiplos comandos para lutar, ser rápida para reagir aos obstáculos e utilizar as duas mãos, como é necessário com a maioria dos controles de videogames atuais.

Então, decidi recomeçar o jogo, mas dessa vez, sozinha. Encarar os traumas passados e jogar essa bela e antiga Visual Novel que é Revolutionary Girl Utena: Story of the Someday Revolution (1998), mesmo que a única tradução disponível para o jogo fosse em inglês (que não é meu forte, devido a minha surdez, mas também fui surpreendida nesse aspecto ao conseguir acompanhar a história escrita totalmente nesse idioma).

Tive uma ajuda inicial do meu companheiro Alex para configurar as funções dos botões na plataforma para que eles ficassem acessíveis ao alcance dos meus dedos indicador e médio da mão esquerda, e sou extremamente grata porque isso me proporcionou uma liberdade que eu nunca havia experimentado antes.

Consegui ter a independência que sempre sonhei ter como uma pessoa que gosta de jogos e não quer ser barrada pela falta de acessibilidade e de compatibilidade que a maioria dos games apresentam para quem tem deficiências motoras severas. Consegui finalizar a Visual Novel e saíram lágrimas de alegria dos meus olhos. Contornei todas as barreiras físicas e de idioma em um jogo (sem ser o The Sims) pela primeira vez na vida, de forma autônoma.

Por isso, se quem ler esse relato também for uma pessoa com deficiência motora que goste de jogos, mas que se sente limitada pela falta de acessibilidade existente nesse meio, meu conselho é não desistir! Continue procurando games que trabalhem com dinâmicas ajustáveis e acessíveis em sua jogabilidade, como os das categorias que citei acima (Simuladores de Vida e Visual Novels).

Obs.1: Antes que me perguntem, sim, eu já joguei vários desses minigames de celular, onde, às vezes, só se precisa de um dedo para desfrutá-los. Porém, o foco dessa postagem foi sobre os jogos para plataformas maiores, como computadores e consoles de videogame, que costumam ter uma arquitetura mais complexa e exigem habilidades motoras mais avançadas.

Obs.2: Gostaria de me desculpar pela pouquíssima quantidade de postagens no Blog Dyskinesis ultimamente. O motivo de isso estar acontecendo é que estou enfrentando alguns problemas de saúde física e psicológica. Dessa maneira, me deparo com situações que me fazem perder a inspiração criativa para produzir conteúdo para os leitores. Por isso, peço um pouquinho da compreensão de vocês neste momento pelo qual estou passando.

 

* Créditos das imagens: Pixabay e screenshots pessoais dos games The Sims 3 e Revolutionary Girl Utena: Story of the Someday Revolution.

 

Por Ana Raquel Périco Mangili.

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